Venda de créditos judiciais se torna alternativa para empresas que precisam levantar capital

As empresas brasileiras passaram a olhar para o seu contingente jurídico em busca de alternativas para fazer caixa, em um momento de restrições de acesso ao dinheiro, juro alto e investidores mais seletivos. Ao fazer um pente-fino para dentro de casa na busca de “ativos escondidos no balanço” – sem visibilidade financeira -, as companhias passaram, em grande parte, a mirar não só precatórios, que são as
dívidas do governo com sentença judicial definitiva, mas também para outras disputas judiciais.


Com isso, o mercado de créditos judiciais no Brasil, jargão conhecido como “legal claims” no mercado, começou a ganhar cada vez mais espaço, levando a um número crescente de gestoras que passaram a atuar nesse nicho. Se antes esse tipo de ativo não era visto pelas empresas como “monetizável”, agora as áreas jurídicas corporativas passaram a atuar de forma mais ativa para contribuir com as financeiras.


Diante desse amadurecimento, uma nova onda, já comum em mercados mais desenvolvidos como os Estados Unidos, também começa a chegar no Brasil.

Grandes companhias, por exemplo, começaram a passar um portfólio de ações para um fundo creditório (FDIC), estruturado por uma gestora especializada e transações devem começar a ser anunciadas em breve.

De partida, a companhia recebe um capital por esse portfólio, que pode ajudar na redução da alavancagem, por exemplo. No final, ainda fica com grande parte do ganho das causas. Casas especializadas em ativos alternativos, como a Prisma, por exemplo, tem atuado nesse novo nicho no Brasil. Bancos também estão começando a buscar oportunidades nesse mercado.


Dentre as empresas que lançaram mão da venda de créditos jurídicos mais recentemente estão nomes como Marisa, que vendeu créditos tributários para fazer caixa, assim como a BRF. Procuradas, Marisa e BRF não comentam.

Esse mercado também tem se aquecido por casos de Santas Casas vendendo ações contra a União, pedindo pagamento por “leito do SUS”. A “tese do século”, que se trata da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins, também vem movimentando esse mercado nos últimos anos.


Companhias também fizeram a venda desses ativos de litígios para fazer caixa em meio a processos de recuperação judicial. Sem problema emergencial de caixa, a empresa de embarcações anunciou a cessão parcial de ações judiciais contra a Petrobras Oceanpact de cobrança de taxas diárias de contratos. Em fato relevante informou ao mercado que recebeu, com isso, R$ 100 milhões e, ainda, participaria majoritariamente, no futuro, de valores a serem recebidos na ação. A Oceanpact também preferiu não comentar o assunto.


Alguma empresas têm olhado a possibilidade de vender ativos judiciais como forma de “destravar valor”, visto que pode haver no balanço disputas bilionárias. Contribui, ainda, para essa demanda do mercado, o interesse vindo também de empresas que podem utilizar determinados tipos de créditos tributários para o abatimento de impostos.

“O mercado de ‘legal claims’ começou com a venda de crédito ‘single name’ (de apenas um devedor). A venda do portfólio veio em um segundo momento. Agora, com o amadurecimento desse mercado, há um grupo de empresas que não precisam necessariamente levantar capital, mas vendem esse pacote para busca de eficiência de recursos”, diz Guilherme Setoguti, advogado e presidente da Associação
Brasileira de Special Situations e Litigation Finance.

A entidade foi lançada no ano passado para atender as demandas dessa indústria. O aumento de gestoras de “special sits” tem dado nos últimos anos um combustível a esse mercado. Gustavo Junqueiro, sócio do Dias Carneiro Advogados, aponta que um fato importante no crescimento desse mercado é que houve o entendimento de que esses são ativos “totalmente descorrelacionados” ao negócio da empresa. Ou seja, é uma boa alternativa para companhias que precisam de liquidez.


“Empresas começam a buscar embaixo do tapete onde pode ter recursos vistos como ilíquidos”, afirma Francisco Clemente, sócio da KPMG. Segundo ele, uma das razões que tem impulsionado esse mercado é a nova lei de recuperação judicial. Em pesquisa sobre ativos alternativos, que acaba de ser lançado pela KPMG, ter dinheiro em caixa é o principal motivador para a venda desses ativos. No geral, muitas
empresas também vendem créditos inadimplidos com esse propósito, mercado que tem rapidamente se expandido no país.


Na Latache Capital, gestora focada em empresas com ativos problemáticos (‘special sits)’, a abordagem por empresas tateando sobre o interesse em créditos judiciais tem crescido, à medida que as companhias percebem o valor desses ativos. “As empresas têm passado por um processo de transformação interna e percebendo que os ativos jurídicos têm valor e que, assim, podem se valer dessas oportunidades
para uma monetização extraordinária”, comenta o sócio e diretor jurídico da Latache, Stefan Lourenço.

Segundo ele, para a aquisição desses ativos é necessária uma ampla diligência, até mesmo para entender a capacidade de pagamento da contraparte, o que influencia no risco e, consequentemente, na precificação. Uma cláusula comum na compra dos créditos judiciais, segundo ele, é o chamado “earn out”. Se o pagamento for feito em um prazo mais curto que estimado na hora da compra, a empresa recebe um valor adicional pré-acordado. Na Latache, as ações precisam necessariamente ter já
passado pelo trânsito em julgado do mérito, ou seja, quando não se cabe mais recursos, para ser elegível para a compra.


O diretor da Makalu responsável pela área de ‘legal claims’, Felipe Ciciarelli, lembra que esse mercado no Brasil não é novo, exatamente por conta dos precatórios, que sempre atraiu investidores. No entanto, mais recentemente, o mercado “secou”, em um momento em que a PEC dos Precatórios afetou a fila de pagamentos pela União, diminuindo o apetite dos investidores. Com esse tema agora mais organizado,
aponta Ciciarelli, a expectativa é de um novo aquecimento, quando é também esperado que mais ativos sejam vendidos por parte das empresas.


Na mesa da Makalu no momento, segundo o executivo, há cerca de R$ 1,1 bilhão de ações, considerando o valor de face. São diferentes casos não só envolvendo o ente público, mas também grandes empresas Por lá, afirma Ciciarelli, o olhar tem se voltado também às disputas privadas, que podem ser venda de direitos hereditários, comerciais ou até mesmo ações de cobranças de honorários.

A gestora Prisma Capital tem conversado com grandes empresas para o financiamento de litígios. “Com isso, a empresa prioriza a alocação do seu capital no ‘core business’, e não em litígios”, afirma João Mendes, sócio da gestora. Nesse tipo de negócio, existe uma cessão parcial do crédito judicial, ou seja, a gestora financia a causa – dos advogados a demais custos envolvidos – e a empresa consegue manter
uma área jurídica mais enxuta, participando do ganho no êxito da ação. “Essa companhia também traz um sócio comprometido, que vai colocar capital para gerar resultado. Alguém que vai compartilhar o risco”, comenta.


Mais recentemente, as empresas também começaram a utilizar essas ações judiciais como forma de conseguirem capital mais barato, muitas mirando a redução de alavancagem, por exemplo. “Esses ativos (os judiciais) têm uma utilidade financeira gigantesca. O diretor jurídico de uma empresa acaba tendo um papel que antes era apenas do CFO. Ele torna agora mais eficiente o departamento jurídico e se torna
uma fonte de recursos para empresa”, comenta Mendes, da Prisma. Ao empacotar essas ações judiciais em um FIDC, a empresa recebe o dinheiro acordado. E mais à frente, conforme os processos tiverem sucesso, fica com grande parte dos ganhos. “A beleza desse tipo de FIDC é ser composto por casos variados, com riscos jurídicos variados, então a diversificação diminui o risco e permite taxas mais atrativas”, diz o sócio da Prisma.


Já o sócio da Jive, Mateus Tessler, nota que as empresas estão ainda mostrando um interesse cada vez maior em utilizar esses créditos como colateral para empréstimos. Por serem feitos por meio de uma cessão fiduciária, explica, a empresa, além de conseguir taxas competitivas, consegue manter o valor da dívida fora de seu balanço. “Temos dado predileção a fazer isso. O desembolso é mais baixo e não fico com o risco do atraso (de pagamento)”, comenta Tessler. “Geralmente quem faz isso são empresas grandes. Não é o CFO quem tem a ideia, mas sim o assessor jurídico.

Fonte: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/08/15/venda-de-creditos-judiciais-se-torna-alternativa-para-empresas-que-precisam-levantar-capit…

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