O ano das recuperações judiciais no Brasil: o caso da Light

O primeiro semestre de 2023 termina com mais uma recuperação judicial que abalou o mercado brasileiro. A companhia Light S.A. requereu, no último dia 12 de maio, o pedido junto à 3ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). A dívida anunciada é de R$ 11 bilhões. Dados da Serasa Experian, uma das maiores referências de análises e informações para decisões de crédito do país, apontam 93 requerimentos de recuperação judicial registrados no Brasil em abril, um aumento de 43% em relação ao mesmo mês do ano passado.

O ano teve início com o ajuizamento da recuperação judicial do grupo Americanas, que trouxe impactos para o mercado de créditos no Brasil. Na sequência, o Grupo Oi ajuizou novo pedido de recuperação judicial, seguido pelo Grupo Petrópolis e pela Light no mês passado. 

“A instabilidade econômica ainda é um desafio para os empreendedores. Com as finanças comprometidas, é inevitável que muitos acabem recorrendo aos processos de recuperação judicial para tentar renegociar e evitar a falência”, afirma Luiz Rabi, economista da Serasa Experian. 

Custo do crédito

Mas se engana quem pensa que só as grandes companhias estão passando por dificuldades. As micro e pequenas empresas brasileiras representaram o maior volume dos pedidos de recuperação judicial em abril, o último dado disponível para avaliação. Foram 64 requerimentos, acompanhados pelas médias empresas (18). Entre as grandes, que têm faturamento acima dos R$ 50 milhões, foram 11 pedidos. Estas últimas puxaram os pedidos de recuperação judicial até agora, com quase 60% de crescimento no ano. Logo em seguida vêm as micro e pequenas, com 53% de aumento, e as médias com 6%. A indústria teve 67% de crescimento nos pedidos de recuperação judicial. Já o setor primário, que tem o agronegócio como grande carro chefe, chegou a 68%.

“A crise que se enfrenta parece ser de natureza estrutural e não circunstancial. Além das recuperações judiciais, há vários procedimentos de renegociação de dívidas e reestruturação de empresas que não são captados pelo índice da Serasa e que indicam dificuldades com relação a situações de crédito. E essas renegociações estão sendo feitas dentro de um cenário de incerteza nos campos financeiro, político e jurídico”, explica Antonio Tavares Paes, sócio da área de M&A do Costa Tavares Paes Advogados. 

Para os especialistas, o aumento dos pedidos de recuperação judicial está relacionado com o custo do crédito no Brasil. A dívida financeira das empresas tem sido apontada, por muitos devedores, como a principal causa da situação de crise econômico-financeira. 

“Muitas empresas se endividaram para atravessar o período de pandemia e, hoje, não conseguem mais arcar com os juros dessas operações passadas, tampouco conseguem contrair novos empréstimos, devido ao alto nível da taxa Selic (13,75%), que já perdura há mais de 1 ano. Hoje, a maior parte dos processos de recuperação judicial mira instituições financeiras e debenturistas para buscar uma renegociação de dívida e a suspensão das obrigações”, afirma Pedro Almeida, especialista em insolvência e Direito Societário no GVM Advogados.

Furtos de energia elétrica 

No caso da Light, constituída por empresas que atuam na geração, distribuição, comercialização e soluções de energia elétrica em mais de 30 municípios do estado do Rio de Janeiro, a crise veio crescendo gradualmente nos últimos anos. Um dos principais motivos apontados pelos especialistas é a quantidade crescente de furtos de energia elétrica. 

O trabalho para reduzir esses índices não conseguiu o resultado esperado, especialmente em comunidades dominadas pelo tráfico de drogas e milícias, onde há enorme dificuldade de entrada do poder público. Além disso, houve um impacto expressivo em decorrência da pandemia de Covid-19, junto com a redução do consumo de energia elétrica. A empresa de energia também sofreu a consequência da lei que determina a devolução de créditos tributários. 

Com isso, em abril a companhia entrou com pedido de concessão de tutela cautelar em caráter antecedente para viabilizar a renegociação das obrigações financeiras, bem como a concessão de tutela de urgência para suspender a exigibilidade das obrigações financeiras listadas relativas a um grupo de credores financeiros. A medida também pretendia a suspensão dos efeitos de qualquer direito ou pretensão de compensação contratual, liquidação de operação com derivativos ou retenção de pagamentos por meio de contas vinculadas a garantias fiduciárias. 

É importante ressaltar que, nesse caso, o pedido de recuperação judicial é de interesse coletivo, porque visa que a prestação do serviço público da Light seja mantida, enquanto a companhia trabalha para sanar suas dívidas com seus credores.

“Referida decisão tem sido alvo de diversas discussões, principalmente em razão da natureza das obrigações discutidas pelas empresas do Grupo Light no feito e a capacidade das empresas Light Sesa e Light Energia – concessionárias de serviço público do setor elétrico – serem parte do processo de recuperação judicial, uma vez que há vedação legal da utilização da recuperação judicial para concessionárias do setor de energia elétrica (artigo 18 da Lei 12.767/2012)”, explica Liv Machado Fallet, especialista em reestruturação do escritório Tauil & Chequer Advogados, associado ao Mayer Brown. 

A homologação judicial do plano, o chamado stay period, é de 180 dias, prorrogáveis por mais 180 dias em caráter excepcional.

“A recuperação judicial é usada para isso, para a reestruturação da empresa, a reorganização e para a empresa conseguir um fôlego e um prazo dilatado de pelo menos seis meses para tentar nesse período adequar suas contas e estabelecer um plano de pagamento que seja viável financeiramente, não só para a empresa, mas principalmente para ela e também para os credores que vão ter que concordar com esse plano de recuperação judicial”, avalia Leandro Basdadjian Barbosa, sócio do SFCB advogados.

A crise piora

Em comunicado, a empresa de energia afirmou que, apesar dos esforços empreendidos nos últimos meses, a situação econômico-financeira vem se agravando, o que demandava a tomada urgente de novas medidas para garantir os serviços prestados no âmbito das concessões de sua titularidade e a continuidade do cumprimento das suas obrigações.

Perdas não-técnicas suportadas pelas distribuidoras de energia do país são uma realidade para todas as empresas que operam nesse setor. “Perdas da ordem de 20 a 25%, ainda que com muita dificuldade, são administráveis, porém no caso da companhia carioca, claramente chegaria a conta para uma empresa que há anos trabalha com perdas não-técnicas que em vezes superam 50%”, diz Feliciano Lyra Moura, sócio do Serur Advogados.

Para o advogado, a Light é efetivamente o caso mais claro de que como um olhar mais permissivo do Estado para o problema da segurança pública pode, somado ao histórico formato de instabilidade econômica nacional, ser agravado por um momento mundial também difícil. “Isso pode trazer prejuízos tão difíceis de serem mitigados na hipótese de um estado da importância do Rio de Janeiro ficar sem fornecimento de energia em razão de um problema que é menos econômico e social”, analisa.

Em seu portal, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), responsável pela regulação de empresas de energia no país, divulgou uma nota de esclarecimento sobre esse caso. De acordo com a Aneel, o pedido foi requerido pela Light S.A. e não pela Light Serviços de Eletricidade S.A., subsidiária responsável pela distribuição de energia no Rio de Janeiro. A legislação estabelece que os regimes de recuperação judicial e extrajudicial não podem ser aplicados às concessionárias de serviços públicos de energia elétrica.

Ainda segundo a Aneel, a distribuidora está sendo monitorada em regime diferenciado de acompanhamento de seus indicadores econômico-financeiros, por meio de um plano pactuado com a Light no qual foram definidas ações necessárias para assegurar a sustentabilidade da concessão.

O atual contrato de concessão está vigente até junho de 2026. Um pedido de renovação de concessão deve ser apresentado 36 meses antes do seu vencimento. Assim, a Light tem até o fim de junho para manifestar interesse em se manter à frente do serviço após 2026.

A recuperação judicial sob a luz da lei brasileira

A Lei 11.101/05, que substituiu a antiga concordata, foi homologada em 2005. A norma envolve negociações com todos os credores – de trabalhadores a fornecedores – para evitar que uma empresa quebre. Todo o processo ocorre sob supervisão da Justiça e precisará ser aprovado pelos credores em assembleia.

As regras para a recuperação judicial foram modernizadas em 2020, com a sanção da Nova Lei de Falências, a  Lei 14.112/20. Entre as novidades, estão a ampliação do financiamento a empresas em recuperação judicial, o aumento para até dez anos do parcelamento de dívidas tributárias e a possibilidade de os próprios credores apresentarem planos de recuperação da empresa.

A tendência de recuperação judicial está ligada aos números da inadimplência no Brasil, que devem subir até o fim do ano, segundo os especialistas e os índices da Serasa. Outro índice relevante, que mostra a dificuldade de muitas empresas, tem relação com os pedidos de falência. Foram 91 registros em abril, alta de 12% na comparação com o mesmo período de 2022.

Fonte: https://br.lexlatin.com/reportagens/o-ano-das-recuperacoes-judiciais-no-brasil-o-caso-da-light

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