Clubes de futebol negociam dívidas de R$ 3,6 bilhões

Desde a criação da Lei das Sociedades Anônimas de Futebol (SAFs), pelo menos 21 times buscaram meios de reestruturação para negociar dívidas que, somadas, chegam a R$ 3,6 bilhões. Nesses últimos quatro anos, a maioria – 14 deles – optou pela recuperação judicial e outros sete, como o Corinthians, recentemente, decidiram usar o Regime Centralizado de Execuções (RCE). Já o Botafogo, atual campeão brasileiro, e o Figueirense seguiram o caminho da recuperação extrajudicial.

Essa é a conclusão do levantamento feito com exclusividade para o Valor pelos escritórios Mubarak Advogados Associados e TPB Advogados sobre a aplicação da Lei nº 14.193/2021.

penas dois dos 21 times – o Figueirense e o Botafogo de Ribeirão Preto – reestruturaram o passivo antes da aprovação da lei das SAFs, que foi o que permitiu aos clubes de futebol entrarem com o pedido no Judiciário com base legal. A rigor, a Lei de Recuperação Judicial e Falências, a nº 11.101/2005, não dá essa autorização – só serve para empresas e não associações esportivas sem fins lucrativos. Mas a jurisprudência atual, dizem especialistas, dispensa a criação de uma sociedade para o pedido de reestruturação por conta da Lei das SAFs.

Na visão deles, a recuperação judicial é um instituto mais completo, com mais opções de solução para o passivo da empresa, o que atrai financiamento e impede, por exemplo, a sucessão da dívida pelo comprador. Alguns investidores, inclusive, exigem que o clube desista de eventual RCE para o ingresso de uma recuperação judicial ou extrajudicial.

O RCE, apesar de ser mais rápido e simples, pois o plano não precisa ser votado em assembleia nem negociado com credores, serve mais para organizar cobranças e prolongar pagamentos. Em determinados casos, pode não ser o “remédio” suficiente e termina se transformando em uma recuperação judicial. Foi o caso de times como Portuguesa, Botafogo e Cruzeiro, que precisaram sair do RCE para fazer uma equalização mais global do passivo.

O advogado Elias Mubarak, sócio fundador do Mubarak Advogados Associados, que entrou com o RCE do Corinthians, com dívidas de R$ 379,3 milhões, diz que é um procedimento menos arriscado do que a recuperação – que, se der errado, pode resultar na decretação da falência. Ele disse que não optou pela recuperação extrajudicial porque haveria a chance de o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) não aceitar, por ser mais conservador que o do Rio de Janeiro e o de Santa Catarina, onde estiveram os casos do Botafogo e Figueirense (ambos extrajudicial).

Ao mesmo tempo que entrou com o pedido de RCE, o advogado requereu tutela antecipada para suspender cobranças contra o time por 60 dias. Esse será o prazo que o Corinthians terá para apresentar um plano aos credores. “Entramos com o RCE e pedimos a tutela para dar proteção contra as penhoras no faturamento, porque senão, não teria como negociar”, afirma Mubarak.

Ele explica que uma das diferenças entre o RCE e uma reestruturação tradicional é que no regime concentrado é preciso comprovar que 20% da receita ou 50% dos dividendos do time estão destinados ao pagamento da dívida. “Na recuperação extrajudicial não precisa demonstrar isso e na recuperação judicial é só demonstrar a capacidade de pagamento e o plano. Na RCE tem maiores comprometimentos”.

Já na visão do advogado Eduardo Munhoz, sócio fundador do E.Munhoz Advogados, que entrou há duas semanas com o pedido de recuperação judicial da Portuguesa, a recuperação judicial “abre um leque muito maior de soluções”. “Ela é mais adequada quando tem uma situação mais grave, que o RCE não resolve. Por isso que, muitas vezes, o clube entra com RCE, não consegue resolver e termina entrando com recuperação judicial”, afirma.

O RCE pode ter seus méritos, mas foi desenhado de forma açodada, por pressão dos dirigentes”Pedro Teixeira

No caso da Portuguesa, que virou SAF, existe a ideia da transferência de ativos para investidores. A dívida do clube submetida ao processo é de R$ 517 milhões. “A estrutura dá uma proteção mais adequada para o dinheiro novo e o investidor não herda a dívida que era do clube”, diz. Essa blindagem da sucessão é um dos benefícios inseridos em 2020, pela Lei nº 14.112, que reformou a Lei de Recuperação Judicial e Falências (artigo 60).

Segundo Munhoz, a Lei das SAFs veio para modernizar o futebol brasileiro. “A lei trouxe um instrumento muito relevante para a reorganização dos clubes e permitiu essa reciclagem de dívidas e investimentos no campo do futebol. A gente começa a ver um número maior de investidores se interessando e os clubes procurando se modernizar para buscar uma gestão mais profissional, focada na rentabilidade”, avalia.

Pedro Teixeira, sócio fundador do TPB Advogados, que participou da criação da Lei das SAFs e da reforma da Lei de Recuperação Judicial e Falências, diz que o RCE foi incluído no projeto das SAFs no último momento, o que comprometeu a solidez do instituto. “O RCE pode ter seus méritos, mas foi desenhado de forma açodada e muito por pressão dos dirigentes amadores dos clubes que tinham medo da recuperação judicial, entendendo como falência”, afirma.

De acordo com Teixeira, que presta consultoria para times reestruturarem passivos, é um regime que tem “cabeça de elefante e rabo de jacaré”. Isso porque traz algumas características dos atos de concentração e de recuperação judicial. Traz um modelo impositivo de negociação, diz ele, sem convocação de assembleia geral, além de outras restrições. O maior problema, na visão dele, é o fato de a atualização da dívida ser pela Selic, índice que pode ser escolhido na recuperação judicial.

Outra questão é que no RCE deve ser pago pelo menos 60% da dívida em seis anos e só podem ser inseridos casos em fase de execução (cobrança). Se o requisito for cumprido, o clube pode prolongar o pagamento por mais quatro anos. “Mas durante 10 anos, muitos processos que estavam em fase de conhecimento andam e o endividamento do clube pode aumentar”, acrescenta Teixeira.

No RCE, não entram créditos fiscais e a lei não exige a fiscalização por um administrador judicial – mas o Poder Judiciário tem feito a nomeação para organizar os pagamentos. “É um instrumento muito utilizado por clubes que não querem virar a chave ou não querem encarar o passivo de frente”, diz. “A maioria dos clubes que possui investidores, principalmente estrangeiros, opta pela recuperação porque o RCE é um sistema novo, com muita insegurança jurídica”, completa Pedro Teixeira.

Fonte: https://valor-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/valor.globo.com/google/amp/legislacao/noticia/2025/01/02/clubes-de-futebol-negociam-dividas-de-r-36-bilhoes.ghtml

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