CEO da Boeing busca reduzir a empresa para evitar agravamento da crise

Os principais líderes da indústria da aviação se vestiram elegantemente e entraram em um salão de festas em Manhattan na sexta-feira, participando de uma noite de coquetéis e discussões sobre o futuro da Boeing. Um grupo notável estava ausente.

Após patrocinar seis mesas, a Boeing decidiu não enviar seu grupo habitual para a gala anual de arrecadação de fundos do Wings Club, optando por doar a maior parte de seus ingressos para os clientes.

Os CEOs da Lufthansa e da United Airlines estavam presentes, assim como o presidente da GE Aerospace, um dos maiores fabricantes de motores a jato comerciais do mundo.

O novo CEO da Boeing, Kelly Ortberg, não compareceu. Ele estava ocupado negociando um acordo trabalhista para resolver uma greve que prejudicou bastante a companhia. O acordo provisório alcançado no sábado entre a Boeing e os líderes de seu maior sindicato garantirá aos maquinistas um aumento de 35% ao longo de quatro anos.

Ainda que o acordo seja aprovado na quarta-feira e os membros do sindicato retornem ao trabalho, a empresa continua em uma situação financeira crítica. Especialistas e analistas do setor começaram a considerar uma possibilidade antes impensável: uma separação ou falência pode estar à frente da Boeing se a companhia não alterar seu curso atual.

A Boeing está avaliando a venda de ativos que possam gerar capital essencial enquanto se desfaz de unidades não essenciais ou com desempenho inadequado, conforme informações de fontes ligadas às discussões. Dias antes da gala, o conselho da empresa se reuniu na sede da Boeing em Arlington, Virgínia, onde os diretores questionaram os responsáveis por cada divisão e revisaram relatórios sobre a situação de cada unidade, discutindo os próximos passos para a fabricante de aviões em dificuldades.

A Boeing recebeu críticas por sua expansão excessiva e precisará encolher, afirmou Ortberg em uma mensagem aos funcionários no início deste mês. “Precisamos ter clareza sobre os desafios que enfrentamos”, afirmou. “Devemos também focar nossos recursos em desempenho e inovação nas áreas que são essenciais para a nossa identidade.”

Ortberg está buscando arrecadar pelo menos US$ 10 bilhões e planeja demitir milhares de funcionários para conter as perdas que agravaram os problemas de fabricação da Boeing e prejudicaram uma complexa cadeia de suprimentos.

A Boeing tentou, sem sucesso, desfazer uma joint venture de foguetes que possui com a Lockheed Martin e segue sobrecarregada com programas do governo dos EUA, como um problemático avião-tanque militar e os jatos de substituição do Air Force One. Na semana passada, a empresa finalizou um acordo para vender uma pequena subsidiária de defesa que fabrica equipamentos de vigilância para o Exército dos EUA, conforme informaram fontes a par do negócio.

Ortberg assumiu a liderança da empresa em agosto e fará seus primeiros comentários públicos como CEO na quarta-feira, quando o sindicato deverá votar no novo contrato e a Boeing apresentará seus resultados financeiros referentes ao trimestre encerrado em 30 de setembro. A empresa alertou que registrará bilhões de dólares em encargos e um prejuízo trimestral de US$ 6 bilhões.

Aviões com defeitos e confiança abalada

Ortberg enfrenta o desafio de reestruturar uma grande fabricante que prejudicou a confiança do público. Em janeiro, um plugue de porta explodiu em um voo da Alaska Airlines porque os funcionários da fábrica da Boeing falharam ao trocar parafusos essenciais. Em julho, a Boeing aceitou se declarar culpada de uma acusação criminal por ter enganado os reguladores de segurança aérea antes de dois acidentes fatais com o 737 MAX em 2018 e 2019. Além disso, a espaçonave Starliner da Boeing agora enfrenta um futuro incerto após problemas técnicos que deixaram dois astronautas presos na Estação Espacial Internacional.

Scott Kirby, CEO da United Airlines, expressou satisfação ao saber que Ortberg planeja buscar capital para estabilizar as finanças da Boeing, considerando isso uma mudança em relação aos líderes anteriores que utilizavam recompra de ações e outras estratégias para elevar o valor das ações. “A antiga Boeing nunca teria feito isso”, afirmou Kirby na sexta-feira à noite, após a gala do Wings Club.

A greve dos maquinistas, iniciada em 13 de setembro, paralisou a produção da maioria das aeronaves da Boeing. As agências de classificação de crédito alertaram que a empresa deve conservar recursos e corre o risco de sofrer rebaixamento. A Boeing estava enfrentando problemas financeiros antes da greve dos sindicatos, e analistas estimam que a paralisação está custando à fabricante de jatos cerca de US$ 1 bilhão mensalmente.

Ortberg tem passado as últimas semanas viajando pelo país, reunindo-se com companhias aéreas, fornecedores, reguladores federais e seus colaboradores.

“Estou confiante de que ele está mantendo tudo sob controle”, disse John Plueger, presidente da locadora de aviões Air Lease Corp., que se reuniu com Ortberg. “Ele tem recebido feedback, tanto positivo quanto negativo, de clientes em todo o mundo”, acrescentou Plueger.

Durante reuniões recentes de desempenho financeiro, o CEO da Boeing solicitou que os líderes das diferentes unidades da empresa apresentassem o valor que essas unidades agregam à companhia, conforme indicado por fontes a par das discussões.

Ortberg, que se mudou da Flórida para Seattle ao assumir o cargo, também tem incentivado os executivos, conhecidos por sua abordagem distante, a se envolverem mais com as unidades que gerenciam. O ex-CEO Dave Calhoun foi criticado por administrar a Boeing majoritariamente de suas residências em New Hampshire e Carolina do Sul, enquanto o CFO Brian West reside em Connecticut.

“Reestruturar nossa empresa exigirá decisões difíceis, e precisaremos implementar mudanças estruturais para garantir nossa competitividade e atender nossos clientes a longo prazo”, afirmou Ortberg em sua mensagem aos funcionários.

Fornecedores encolhem, companhias aéreas aguardam

A crise na Boeing está reverberando em todo o setor. Vários fabricantes de peças enfrentam excesso de pessoal ocioso e estoque acumulado. No mês passado, a Boeing anunciou que reduziria os pedidos de componentes para suas aeronaves 737, 767 e 777. A Spirit AeroSystems, fabricante de fuselagens, revelou na sexta-feira que demitirá 700 funcionários. Um fornecedor britânico, a Senior, também anunciou cortes de pessoal no início deste mês, atribuindo a decisão a dificuldades de produção tanto na Boeing quanto na concorrente europeia, Airbus.

Outros fornecedores de grande porte estão fazendo o possível para evitar demissões, uma vez que pode levar até um ano para recrutar e treinar novos trabalhadores. Isso representa um risco para a Boeing, que dependerá dessas peças quando seus maquinistas em greve retornarem ao trabalho e a produção for retomada.

As companhias aéreas, que já enfrentam uma escassez de aeronaves para atender à demanda por viagens, estão lidando com atrasos adicionais tanto em modelos já existentes quanto em novos que esperavam. A Boeing informou na semana passada que atrasará novamente o lançamento do 777X, que já está vários anos em atraso.

Carsten Spohr, CEO da Lufthansa e um veterano da indústria com trinta anos de experiência, expressou sua preocupação com o recente adiamento do avião pela Boeing, que originalmente deveria ser entregue em 2021 e agora foi postergado para 2026.

“Precisamos disso”, afirmou Spohr durante uma coletiva em Bruxelas na quarta-feira. “Nunca vi nada assim em nossa indústria.”

Em um discurso na gala do Wings Club na sexta-feira à noite, Spohr ressaltou que a sobrevivência da Boeing é crucial para toda a indústria, recebendo aplausos calorosos do público presente.

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