
A conversão de dívidas em ações em meio à reestruturação de empresas entrou de vez como estratégia de redução de dívida e desalavancagem no mercado brasileiro. O uso desse mecanismo tem sido observado em grandes processos de recuperação judicial, com mais credores, incluindo instituições financeiras, mais à vontade para aceitar serem acionistas das empresas reestruturadas. Trata-se, ainda, de uma forma de aumentar o potencial de recuperação dos financiamentos dados como perdidos, evitando com isso um corte mais brusco dos valores a receber.
Na varejista Americanas, os bancos se tornaram acionistas da rede em meio a uma conversão de dívidas, passo necessário na tentativa de se salvar a empresa alvo de fraude. Outro exemplo ocorreu na companhia de logística Sequoia. Na companhia aérea Azul, a conversão de dívida também está na mesa na busca de se solucionar a crise da aérea. Na Light, em recuperação judicial, essa prática está no plano de recuperação judicial. O mesmo ocorre no plano de recuperação extrajudicial da 2W.
“Alguns credores têm a flexibilidade de receber essas ações em outros veículos”
— Giuliano ColomboO sócio da área de reestruturação do escritório Pinheiro Neto, Giuliano Colombo, afirma que a tendência do uso da conversão da dívida em ações em processos de reestruturação estão em curva ascendente, algo que passou a ser notado após a mudança da Lei de Falências em 2020, que mitigou os riscos de que, ao se converter a dívida e se tornar acionista da empresa, o credor poderia ter responsabilidade sobre as contingências anteriores. “Se criou um arcabouço jurídico melhor e agora a percepção é de que é possível administrar o risco”, comenta.
Segundo ele, antes dessa mudança na legislação, os bancos não capturavam, historicamente, potencial melhora das operações dessas empresas em que eram credores. Hoje, as instituições financeiras se sentem mais confortáveis em participar da conversão, o que é observado, segundo ele, em processos envolvendo companhias listadas, já que a monetização das ações se torna mais fácil, uma vez que é possível vender os papéis no mercado secundário.
Em algumas negociações envolvendo conversão, pode até mesmo ser estabelecido uma trava para a venda de ações por um determinado período (no jargão de mercado, “lock-up”) – mas esse tipo de acordo não é regra.
“Alguns credores têm a flexibilidade de receber essas ações em outros veículos (dentro da instituição financeira), como FIPs [Fundos de Investimento em Participações]”, diz. “Essa é uma mudança de perspectiva que veio para ficar”, aponta o especialista em reestruturações.
Colombo lembra que o efeito da conversão é muito imediato no cálculo do valor da empresa, já que o endividamento pode ser reduzido de forma rápida, algo que também acaba se refletindo, por exemplo, no valor dos papéis negociados em bolsa, até mesmo porque o custo com o serviço da dívida, que vinha consumindo a geração de caixa, é reduzido.
O sócio do Pinheiro Neto explica também que é comum que na receita da reestruturação e negociação com credores, a conversão seja um dos ingredientes. Mais um item somado a outras alternativas, como o recebimento dos valores com desconto ou uma nova emissão de dívida a um prazo mais longo – nesse caso o credor pode receber, mais à frente, mas sem o “hair cut” (desconto).
Um dos maiores especialistas em recuperação judicial do país, o advogado Thomas Felsberg afirma que a ferramenta de conversão de dívida tem sido “extremamente útil” e tem funcionado para ajustar a estrutura de capital de uma empresa até então insolvente. “Quando se reduz a dívida se viabiliza a empresa. E muitas vezes, isso pode significar a mudança de controle”. Felsberg diz que muitas vezes a conversão é parcial e envolve uma parte da dívida considerada “impagável”.
Felsberg diz que esse instrumento é bastante comum nos Estados Unidos, por exemplo, e que lá importantes casos de sucesso de reestruturação de empresas envolve a conversão da dívida em ações. Um dos casos conhecidos, por exemplo, foi o da montadora GM, em que os credores que converteram ações recuperaram mais do crédito do que aqueles que receberam os valores em dinheiro.
Daniel Lombardi, sócio da G5 Partners, afirma que a conversão de dívida em ações não se trata de uma novidade no mercado, mas tem sido mais utilizada na construção da solução para a dívida das empresas em processos de reestruturação. O executivo aponta que a conversão de dívidas em participação é algo complexo, principalmente para um banco comercial. Nos bancos públicos, lembra, existe ainda uma restrição para esse tipo de operação.
O executivo do G5 diz que hoje há fundos especializados em situações especiais, os “special sits”, que já emprestam para empresas com mecanismos que permitem participações em casos de problemas e que estão preparados para assumirem a gestão das companhias – ao contrário dos bancos. “Os bancos comerciais têm menos incentivos para essa solução.”
Lombardi diz que, na equação que precisa ser desenhada para atender aos diversos perfis de credores, a conversão de dívidas se trata de mais uma alternativa para compor as possibilidades. Como parte da solução, assim, ainda está o alongamento da dívida e venda de ativos. As hipóteses levantadas chegam como uma complementação e apenas quando as demais alternativas não endereçam a questão dos vencimentos. “É um mosaico de soluções e a conversão de dívida é mais uma opcionalidade”, diz.
Fabiana Balducci, sócia da BR Partners na área de reestruturação, afirma que um dificultador para a conversão de dívida em ações decorre do fato de muitos fundos de renda fixa, por exemplo, terem restrições em seus estatutos para deterem ações em suas carteiras. Hoje, segundo ela, muitos gestores estão buscando ter mais flexibilidade, até mesmo para poderem evitar um desconto muito alto dos valores que têm a receber.
Procuradas, Azul, Light, Sequoia, Americanas e 2W não comentaram.
Fonte: https://valor.globo.com/google/amp/empresas/noticia/2024/10/31/bancos-se-tornam-socios-de-empresas-em-reestruturacao.ghtml