A explosão nos pedidos de recuperação de produtor rural: as oportunidades e o canto da sereia

Recentemente, o Serasa Experian divulgou dados finais sobre os pedidos de recuperação judicial em 2024. Um ponto que chamou atenção foi a explosão dos pedidos oriundos do setor agropecuário. Enquanto a média mensal de pedidos variou de seis a dez entre 2020 e 2023, em 2024 esse número saltou para 35 pedidos mensais em média. Uma elevação dessa magnitude, naturalmente, é um convite à reflexão. O que levou a essa ascensão? Isso é bom ou ruim?

Abaixo, fazemos algumas considerações preliminares sobre esse relevante tema.

Fatores econômicos e operacionaisDe início, vale destacar que o aumento expressivo pode ser parcialmente explicado por fatores econômicos e operacionais que desafiaram o setor agropecuário no final de 2023 e ao longo de 2024.

Eventos climáticos adversos, incluindo chuvas irregulares e problemas em importantes safras, comprometeram a produtividade e a previsibilidade financeira dos produtores. Além disso, cotações internacionais de algumas commodities contiveram o PIB agro. Por fim, embora a valorização do dólar tenha favorecido a rentabilidade das exportações, ela também gerou um significativo aumento nos custos ao longo de toda a cadeia produtiva.

A evolução legal

Do ponto de vista jurídico, o crescimento dos pedidos também reflete mudanças normativas e interpretativas relevantes. Antes mesmo de reformas legislativas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) consolidou a possibilidade de o produtor rural requerer recuperação judicial. A decisão paradigma se deu no julgamento do REsp 1.800.032/MT, que abriu caminho para a formalização desses pedidos.

Posteriormente, a reforma promovida pela Lei nº 14.112/2020 trouxe maior segurança jurídica ao pacificar a possibilidade de produtores rurais, inclusive aqueles sem registro empresarial anterior, ingressarem com pedidos de recuperação. Esse movimento legal, similar ao período de aprendizado que se seguiu à entrada em vigor da Lei 11.101/2005, resultou em um aumento gradual dos pedidos, culminando na explosão observada em 2024.

O canto da sereia e os riscos envolvidos

Contudo, há um aspecto preocupante que merece atenção. Alguns profissionais passaram a enxergar na recuperação judicial do produtor rural um novo nicho de mercado, vendendo a reestruturação empresarial como se fosse, ironicamente, uma commodity. Em alguns casos, a ferramenta tem sido oferecida independentemente das reais chances de sucesso do processo, como um passo-a-passo para pagar um percentual menor de dívidas — ignorando, inclusive, que grande parte dos créditos tipicamente tomados por produtores rurais não é concursal.

Esse fenômeno despertou a atenção do Ministério da Agricultura e de instituições financeiras públicas, que iniciaram campanhas para coibir casos abusivos de pedidos de recuperação judicial feitos sem fundamento econômico sólido. Até mesmo agentes da cadeira produtiva agro se mostraram preocupados com o que se considerou como um “excesso”.

A inquietação é justificável: a recuperação judicial é um processo complexo que demanda atuação especializada, conforme aponta evidência.

Para os produtores rurais, a situação é ainda mais desafiadora. Os processos de recuperação judicial para esse público são documentalmente mais complexos do que os tradicionais, exigindo um nível de organização contábil e financeira — com segregação de despesas pessoais daquelas decorrentes da atividade rural — que nem sempre está disponível em propriedades familiares ou de pequeno porte. Aqui, inclusive, vale ressaltar que existe evidência reiterada (em publicações de 2019 e 2023) que sugere que atividades do agronegócio possuíam, no Brasil, menos chance de se recuperarem do que empresas industriais.

Por outro lado, apesar de aumentar o campo de credores extraconcursais em processos envolvendo produtor rural, o legislador deixou de prever esclarecimentos quanto à possibilidade de continuidade das execuções, à existência de eventuais limites à excussão de bens e à competência para a análise de tais aspectos.

Em outras palavras, conquanto a matéria tenha sido legislada, dúvidas não faltam quanto à operacionalização da recuperação judicial do produtor rural.

Conclusão: uma proteção valiosa, mas não trivial

O fato de um setor tão relevante para a economia brasileira ter acesso à proteção do sistema recuperacional é significativo e positivo. No entanto, a decisão de ingressar com um pedido de recuperação judicial não pode ser tomada de forma leviana.

Os produtores rurais precisam estar atentos ao risco de serem seduzidos pelo canto da sereia que promete soluções fáceis e imediatas. Sem o suporte adequado, equipes especializadas e uma análise criteriosa das possibilidades reais de reestruturação, o resultado pode ser desastroso, levando não à salvação, mas ao naufrágio financeiro definitivo.

Fonte: https://www.conjur.com.br/2025-fev-10/a-explosao-nos-pedidos-de-recuperacao-de-produtor-rural-as-oportunidades-e-o-canto-da-sereia/

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